Belo Horizonte, 13 de agosto de 2007.
Magnífico Reitor
Prof. Dr. Ronaldo Tadeu Pena
Prezado Senhor,
Vivemos, no terceiro milênio, uma conjuntura internacional e nacional de aumento das desigualdades e de acirramento da exclusão social que afetam os diversos setores da sociedade. Nesse processo, a articulação entre as desigualdades de classe, raça e gênero se torna mais complexa, revelando um novo quadro de desigualdades amplamente atestado pelas pesquisas oficiais do IPEA, pelos dados do IBGE e pela produção científica, sobretudo, na área das Ciências Sociais e Humanas.
A UFMG se destaca no cenário nacional pela sua contribuição acadêmica e pela análise crítica dessa situação, produzida pelos seus quadros intelectuais. Muitos dos nossos profissionais, de renome nacional e internacional, contribuem para a análise e compreensão das novas desigualdades, não só no plano da pesquisa, mas também por meio de projetos de intervenção social e da formulação e avaliação de políticas públicas.
É nesse contexto que a demanda pela implementação de políticas de acesso e permanência configura-se como uma nova realidade no Brasil. É também nesse contexto que as políticas de ações afirmativas voltadas para a população negra se fazem urgentes. Não podemos mais fugir do alarmante quadro de desigualdade racial que afeta a juventude negra. Segundo o IPEA, em 1999, somente 2% de jovens negros conseguiam ter acesso ao ensino superior (IPEA, 1999). Diante desse quadro, várias universidades, públicas e privadas, têm apresentado soluções mesmo entendendo que não é papel da universidade formular políticas públicas ou assumir o papel dos movimentos sociais, mas, sim, saber ouvir as principais demandas da sociedade no que se refere ao Ensino Superior, sobretudo, quando vêm de uma parcela da população historicamente excluída desse nível de ensino. Exclusão que revela a reprodução e a expressão da desigualdade social, racial e de gênero, bem como sua imbricação com o Ensino Superior. Entendemos que uma das formas de se posicionar contra essas desigualdades é compreender o acesso à universidade como um direito dessa parcela da população e promover formas de democratizá-la por fora e por dentro.
A seriedade desse momento tem produzido debates e iniciativas entre as diversas instituições públicas de Ensino Superior no País. Algumas já se posicionaram e apresentaram para a sociedade e para o governo federal propostas de inclusão na perspectiva das ações afirmativas. Nesse contexto, assistimos também a medidas oriundas do próprio Ministério da Educação como, por exemplo, o projeto de Expansão do Ensino Superior Presencial nas IFES. A partir de agora, as universidades públicas estão convocadas a elaborar e apresentar projetos de expansão. Entendemos que qualquer projeto de expansão a ser apresentado pela UFMG e pelas outras IFES não pode desconsiderar o debate mais amplo sobre os processos de desigualdade que afetam mais diretamente determinados grupos sociais e étnico-raciais do nosso País. Nesse caso, ao elaborar o seu projeto de expansão, a UFMG deverá incorporar formas de acesso e permanência que contemplem a inclusão racial. Esperamos que a UFMG não se omita diante desse debate e apresente uma proposta coerente e justa, que promova a entrada e garanta a permanência bem-sucedida para alunos(as) negros(as) e alunos(as) oriundos dos setores populares.
É importante relembrar que, no ano de 2006, a UFMG realizou um seminário que teve como objetivo mapear as várias experiências de inclusão promovidas por algumas instituições de ensino superior públicas brasileiras. Tal iniciativa demonstrou uma postura de que é preciso conhecer, analisar e trocar experiências com aqueles que, prontamente, entenderam que uma das funções da universidade é estar atenta para as demandas sociais, principalmente, aquelas que dizem respeito à democratização do acesso ao conhecimento. A expectativa de parte da comunidade universitária, sobretudo aquela que acredita que a democratização do acesso e a permanência bem-sucedida representam uma das funções mais sérias da universidade do terceiro milênio, era de que a reitoria abriria um debate com a comunidade acadêmica e os movimentos sociais, indo além da realização do referido seminário, apresentando uma proposta. Após o seminário, esperava-se também que o Programa de Ensino, Pesquisa e Extensão Ações Afirmativas na UFMG, que vem realizando, desde o ano de 2002, várias ações e projetos de permanência voltados para jovens negros(as) desta instituição, sobretudo os de baixa renda, fosse considerado como um interlocutor privilegiado nesse processo. Essa interlocução desejada e necessária não se limita a esse Programa. Outros profissionais, grupos e núcleos na UFMG - alguns dos quais assinam a presente carta - que possuem competência, conhecimento e trabalhos voltados para os processos que visam à luta pela democracia e à problematização das desigualdades também não foram considerados como interlocutores e parceiros para a construção do debate.
A UFMG segue silenciosa em um momento em que a universidade pública e os processos de democratização do acesso têm sido colocados à prova pelos dados oficiais das desigualdades raciais e sociais e pelas demandas dos movimentos sociais. Em vários fóruns, dentro e fora de Minas Gerais, essa posição tem sido questionada. Afinal, a UFMG, nos seus 80 anos de existência, sempre foi reconhecida como vanguarda no cenário acadêmico e político nacional, mantendo posicionamentos que marcaram a história do ensino superior público do País, tais como: resistência à ditadura militar, reorganização da UNE, acolhimento de alunos refugiados africanos, entre outros.
O contexto atual de democratização do acesso e da permanência de alunos(as) negros(as) e alunos(as) oriundos(as) de escola pública ao Ensino Superior é também um momento político, social e acadêmico importante. Esperamos que, nesse momento, a UFMG não abdique da sua posição de vanguarda e apresente para a comunidade acadêmica e para a sociedade uma resposta condizente com o histórico de seriedade e de compromisso político e social sempre assumidos. E mais, que essa resposta seja publicamente debatida com a comunidade acadêmica e com a sociedade em geral, e não simplesmente formulada por uma equipe de gabinete.
Na gestão anterior do reitorado essa discussão ficou aquém do esperado. Reuniões e conversas com a reitoria foram realizadas, seminários foram promovidos pelo Programa Ações Afirmativas na UFMG, o Boletim da UFMG fez cobertura da temática, no entanto, nenhuma iniciativa concreta foi implementada. Esperávamos que a atual gestão da reitoria apresentasse uma proposta efetiva para a comunidade acadêmica. Todavia, tal iniciativa não foi tomada.
Enquanto a UFMG se mantém silenciosa várias universidades públicas brasileiras já se manifestaram e apresentaram propostas e práticas efetivas de ações afirmativas. A maioria delas desenvolve a modalidade de cotas voltadas para negros, indígenas, portadores de necessidades especiais e/ou alunos oriundos de escola pública. São universidades federais e estaduais, cujas políticas de cotas foram definidas através da decisão de seus conselhos universitários ou de leis estaduais, como é o caso da UERJ, UENF e UEMG. Algumas dessas propostas resultaram de intensos debates e ações conjuntas realizados pela universidade e os movimentos sociais. Dentre as instituições que assim procederam citamos: Universidade de Brasília (UnB), Universidade Federal de Alagoas (UFAL), Universidade Federal do Paraná (UFPR), Universidade Federal da Bahia (UFBA), Universidade Federal do Recôncavo Baiano (UFRB), Universidade Federal do ABC (UFABC), Universidade Federal de São Carlos (UFSCAR), Universidade Federal do Maranhão (UFMA), Universidade Federal de Juiz de Fora (UFJF), Universidade Federal de São Paulo/Escola Paulista de Medicina (UNIFESP/EPM), Universidade Federal de Tocantins (UFT), Universidade Federal do Pará (UFPA), Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ), Universidade Estadual do Norte Fluminense (UENF), Universidade do Estado da Bahia (UNEB), Universidade Estadual de Goiás (UEG), Universidade Estadual de Ponta Grossa (UEPG), Universidade Estadual de Mato Grosso do Sul (UEMS), Universidade Estadual de Londrina (UEL), Universidade do Estado de Mato Grosso (UNEMAT), Universidade Estadual do Rio Grande do Sul (UERGS), Universidade Estadual do Oeste Paraná (UNIOESTE), Universidade Estadual do Maranhão (UEMA), Universidade Estadual de Ponta Grossa (UEPG), Universidade Estadual de Maringá (UEM), Universidade do Estado do Rio Grande do Norte (UERN), Universidade do Estado do Amazonas (UEA), a Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), a Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC) e a Universidade Federal de Santa Maria (UFSM), entre outras. A Universidade Federal de Pernambuco (UFPE) está com uma proposta em curso. Há, ainda, o caso da Universidade Estadual de Campinas (UNICAMP), que não reserva vagas, mas atribui pontuação adicional aos estudantes egressos de escolas públicas e para negros em seu vestibular.
A implementação da política de cotas, nas diversas universidades públicas e privadas brasileiras, tem sido acompanhada de processos de avaliação constante e alguns resultados já começam a vir a público. Eles revelam que o desempenho escolar dos alunos oriundos da política de cotas é igual ou superior ao dos alunos que entram pelo vestibular dito universal. Dados da UNB, da UERJ, da UNEB, da UFBA e, inclusive, do PROUNI (outra modalidade de ação afirmativa voltada para a iniciativa privada) comprovam tal situação. Esses resultados e outros que começam a ser tabulados e divulgados contradizem o discurso meritocrático formulado nos meios acadêmicos. Eles revelam que há, no ensino superior brasileiro, desigualdade social e racial, a qual resulta em uma situação de desvantagem para os(as) alunos(as) oriundos(as) de diferentes grupos sociais e étnico-raciais.
Diante desse fato, gostaríamos de registrar que o Programa Ações Afirmativas na UFMG, os professores da UFMG e demais núcleos e grupos que assinam esta carta têm sugestões e propostas para essa reitoria. É nossa intenção ver, na prática, a efetivação de uma intervenção democrática e concreta da UFMG no que se refere ao acesso e à permanência de grupos historicamente excluídos da universidade. Acreditamos que é possível uma medida institucional baseada no diálogo entre a universidade, o Estado e os movimentos sociais que vise à democratização do acesso e à implementação de uma política de permanência bem-sucedida na perspectiva das ações afirmativas.
É com esse objetivo que propomos:
- que o critério racial e social seja incorporado na formulação e implementação de uma política de acesso e permanência na UFMG a partir do ano de 2008;
- que o Conselho Universitário da UFMG discuta, no início do segundo semestre de 2007, uma proposta efetiva de implementação de uma política de ação afirmativa visando o acesso e a permanência de alunos(as) negros(as) e alunos(as) oriundos(as) de escola pública na UFMG;
- que seja instituída no Conselho Universitário uma comissão composta pelos seus membros e por outros profissionais da comunidade acadêmica com condições de dar contribuições efetivas nessa temática para elaborar e apresentar a proposta de cotas raciais e para alunos oriundos de escola pública à comunidade acadêmica da UFMG;
- que a proposta a ser elaborada pelo Conselho Universitário inclua uma política de permanência dos alunos que serão atendidos pelas cotas;
- que a UFMG realize um censo étnico-racial, com recursos do fundo FUNDEP, para que tenhamos dados precisos da realidade étnico-racial e social da UFMG, até o final de 2007;
- que os dados desse censo sejam divulgados em um seminário aberto à comunidade acadêmica e público em geral e sejam disponibilizados na página da UFMG;
- que a UFMG adote o quesito cor/raça, de acordo com as categorias de cor do IBGE (preto, pardo, branco, amarelo e indígena), nos formulários de matrícula de todos os cursos de graduação e pós-graduação, a partir de 2008;
- que, a partir de 2008, a implementação e acompanhamento da política de acesso e permanência da UFMG tenha um lugar institucional na estrutura organizacional e no orçamento da reitoria, que lhe possibilite avaliações periódicas, recursos para bolsas, abertura de editais, na perspectiva das ações afirmativas;
- que parte dos recursos destinados à FUMP e recolhidos no concurso vestibular sejam investidos na permanência de alunos e alunas atendidos(as) pelas cotas, a partir do ano de 2008;
- que a iniciativa acima citada não reduza as ações afirmativas à assistência estudantil, mas seja entendida como um desdobramento político e social do caráter dessa Fundação.
Acreditamos que, somente assim, a UFMG poderá apresentar uma proposta para a comunidade acadêmica e para a sociedade em que se mostre coerente com o momento atual de luta pela igualdade social e racial que estamos vivendo. A UFMG, pela sua seriedade e compromisso com o público, não pode se furtar a uma resposta social e acadêmica de relevância em um momento tão importante para a sociedade. Acreditamos que essa instituição possui condições de apresentar essa resposta, a qual deverá ser fruto de um debate democrático entre universidade, sociedade e movimentos sociais.
Um comentário:
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